EUA Correm Contra o Tempo para Produzir Combustível Nuclear Avançado e Reduzir Dependência da Rússia

Com o avanço dos pequenos reatores modulares (SMRs), os Estados Unidos enfrentam um desafio estratégico e energético crucial: garantir o suprimento doméstico de urânio de baixo enriquecimento de alto ensaio (HALEU). O combustível, vital para uma nova geração de energia nuclear limpa, ainda é produzido majoritariamente pela Rússia — que detém 44% da capacidade global de enriquecimento. Em resposta a esse cenário, o governo americano está adotando medidas emergenciais para impulsionar sua produção interna e mitigar os riscos geopolíticos associados à importação de urânio.
A Nova Era da Energia Nuclear nos EUA: O Papel dos Pequenos Reatores Modulares
O cenário energético dos Estados Unidos está passando por uma transformação profunda. À medida que o país se compromete com metas de redução de carbono e transição para fontes limpas, os SMRs surgem como uma solução estratégica. Diferente das usinas nucleares convencionais, esses reatores compactos prometem fornecer energia suficiente para alimentar pequenas comunidades — até 650 residências — com maior segurança, eficiência e adaptabilidade geográfica.
O combustível necessário para esses reatores, o HALEU, é mais potente do que o urânio tradicionalmente usado. Com níveis de enriquecimento entre 5% e 19,75% de urânio-235, ele garante melhor desempenho energético e menor geração de resíduos. No entanto, a produção atual desse tipo de combustível é extremamente limitada fora da Rússia, o que coloca em risco os planos energéticos dos EUA.
Por Que a Produção de HALEU É Tão Urgente?
De acordo com o Departamento de Energia dos EUA (DOE), a demanda por HALEU pode atingir 50 toneladas métricas anuais até 2035. O problema é que, atualmente, os EUA não possuem infraestrutura suficiente para produzir esse volume de combustível de forma independente.
A urgência se intensificou após a proibição da importação de urânio enriquecido russo, medida adotada como resposta à guerra na Ucrânia. Embora exceções temporárias estejam em vigor até 2027, o objetivo é eliminar completamente a dependência de Moscou. Isso obriga o governo americano a acelerar investimentos e estratégias para garantir sua autonomia energética.
Soluções Emergenciais: O Downblending de Ogivas e Sucata Nuclear
Sem um sistema industrial robusto para enriquecer urânio de forma autônoma, os EUA adotaram uma medida temporária: o reaproveitamento de urânio altamente enriquecido de ogivas nucleares desativadas e sucata nuclear, por meio de um processo chamado “downblending”.
Essa técnica consiste em misturar urânio com alta concentração de U-235 (acima de 20%) com urânio empobrecido, resultando em um material com concentração ideal para uso civil (entre 5% e 19,75%). É uma forma segura de reciclar material nuclear militar, adaptando-o para fins energéticos. De acordo com a Administração Nacional de Segurança Nuclear (NNSA), essa abordagem pode render até 6 toneladas métricas de HALEU — quantidade suficiente para os testes iniciais com SMRs, mas insuficiente para demandas em larga escala.
O Enriquecimento Nacional: Um Desafio de Longo Prazo
Para garantir a sustentabilidade dessa nova matriz energética, o DOE está investindo em infraestrutura de enriquecimento de urânio nos EUA. Um dos principais projetos está localizado em Piketon, Ohio, onde a empresa Centrus Energy já começou a produzir pequenas quantidades de HALEU. A expectativa é aumentar a capacidade de produção de 100 para 900 quilos por ano nos próximos anos.
Além disso, quatro empresas privadas foram selecionadas para liderar iniciativas de enriquecimento em larga escala, com foco em abastecer os futuros reatores SMRs de geração 4 — modelos mais eficientes, seguros e de alto desempenho.
Empresas de Tecnologia Apoiam a Iniciativa Nuclear
Grandes corporações como Amazon e Google também estão investindo em projetos de energia nuclear avançada. Em parceria com a X-energy, a Amazon pretende instalar um reator no Texas como parte de um projeto de US$ 500 milhões, que visa gerar 5 gigawatts de energia até 2039. Já o Google colabora com a Kairos Power para implantar reatores com capacidade de até 500 megawatts até 2035.
Essas iniciativas demonstram o interesse crescente do setor privado em fontes energéticas sustentáveis, diversificadas e independentes de combustíveis fósseis ou cadeias de suprimento vulneráveis.
A Tecnologia dos SMRs: Comparando Gerações
Atualmente, existem dois tipos de SMRs em desenvolvimento: os baseados em água da geração 3+ e os SMRs avançados da geração 4. Estes últimos representam uma verdadeira revolução tecnológica. Capazes de operar a temperaturas mais elevadas e com sistemas de desligamento automático em caso de superaquecimento, os reatores de geração 4 prometem maior segurança operacional e melhor eficiência energética.
Esse avanço tecnológico exige combustíveis mais sofisticados, como o HALEU, cuja produção em escala ainda é um obstáculo. A inovação, portanto, depende diretamente da consolidação de uma cadeia produtiva nacional robusta para o combustível nuclear.
Processos Químicos de Reciclagem Nuclear: Novas Fronteiras
Além do downblending, o DOE estuda outras técnicas para produzir HALEU a partir de resíduos nucleares. Uma delas é o processamento eletroquímico, onde o combustível irradiado é colocado em um banho de sal fundido de alta temperatura. Correntes elétricas são aplicadas para separar o urânio utilizável, que depois é combinado com material pouco enriquecido.
Outra abordagem em fase de testes envolve a extração de zircônio — processo que dissolve os combustíveis irradiados em gás ácido clorídrico para remover materiais metálicos protetores, permitindo a recuperação do urânio. Ambas as técnicas podem render até 10 toneladas métricas de HALEU ao todo, um reforço importante para projetos futuros.
O Impasse do Ovo e da Galinha: Falta de Combustível vs. Falta de Reatores
Um dos principais desafios enfrentados pela indústria nuclear americana é o impasse entre desenvolvimento de reatores e disponibilidade de combustível. Muitas empresas hesitam em avançar com a produção de SMRs devido à incerteza sobre o fornecimento de HALEU, enquanto fornecedores de combustível aguardam demanda sólida para justificar investimentos.
Segundo especialistas como Ken Petersen, ex-presidente da American Nuclear Society, o governo precisou intervir para romper esse ciclo vicioso. Por meio de políticas de incentivo, o DOE está promovendo o desenvolvimento conjunto de tecnologia e combustível, criando um ecossistema mais resiliente para a nova era da energia nuclear.
O Futuro da Energia Nuclear nos EUA
Para atender à crescente demanda energética, os EUA planejam triplicar sua capacidade nuclear dos atuais 100 gigawatts para 300 gigawatts nos próximos anos. Isso exigirá não apenas mais reatores SMRs, mas também o fortalecimento da infraestrutura de enriquecimento de urânio, tanto para combustíveis convencionais quanto para o HALEU.
Com o cenário geopolítico cada vez mais instável e o compromisso com a neutralidade de carbono ganhando força, investir na produção nacional de combustível nuclear se tornou uma prioridade estratégica para os EUA. A transição será lenta, exigirá bilhões em investimentos e cooperação público-privada, mas promete garantir independência energética e segurança ambiental para as próximas décadas.
Fonte:https://www.popularmechanics.com/science/energy/a64174823/small-modular-nuclear-reactors-uranium/